sábado, 6 de dezembro de 2014

das horas inconscientes

sinto-me preso por ter sido solto num mundo de alegrias e grilhões. noites sem sono, noites sem dono, dias que vêm em vão. tanto corri atrás disso que devo ter chegado cansado à vida por assim viver. no entanto, cansado mesmo eu estou dos tantos querias que vieram à minha mente.

entendo as flechas e entendo os arcos, mas sinto o alvo tão, tão distante, que já nem sei se posso ver o branco em seus olhos. preciso respirar as palavras, preciso superar o obstáculo em que eu mesmo me tornei. será que preciso de um guia? deus já existe: e agora?

as horas inconscientes me dão cada vez mais medo. não sei o que fiz, não sei o que não fiz. a culpa que vem da possibilidade de ter feito me causa tanto remorso que volto a procurar os meios de punição já tão conhecidos pelo meu corpo.

tantos planos e tanta felicidade... será que isso pode ir pelos ares assim, como fumaça de cigarro?

que pecados cometi pra que essas angústias sejam justas? preciso de respostas mas, se algum dia eu consegui-las, o que diabo vou fazer com elas?

não sei. não sei: esta é, agora, uma das minhas tantas frases de ordem.

sábado, 11 de outubro de 2014

essa minha língua lusa

essa minha língua lusa
abusa do som do trovão
passa o sonho na lousa
e, trocando de estação
estabelece que a coisa
não tem causa ou efeito
nem tem jeito ou censura
tem cura se para no peito
tem uma cara que não atura
o tanto que passa no tempo
portanto ela sobe no muro
põe-se em olhos amarelos
só pra ser gato no escuro

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

evidência nossa de cada dia

essa minha língua 
na ponta do lápis
lambe-me as linhas
pra que as apague

adjevirto quem tente

me ler de repente

pois já está dito
o princípio era o verbo

se ser ou estar 
caberá somente
aos intérpretes dos gritos
que eu acabei de apagar

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

oceana

um poema tem tantos
nomes tantos poemas
e tantos nomes não
rimam, nomes primos
que se importunam
somente por si mesmos
como o nome sem nome
sem verso, sem poema
que oceana, mar.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

força motriz

quando disse "faça-se a luz"
com certeza quis dizer café
primeira obra a ser feita
mesmo num domingo de manhã
descansar é para poucos
coisa de deuses da chuva
dos barulhos de tupã

a primeira obra divina
foi posta num copo de vidro
taí um gole que a gente
[não deixa pra santo nenhum

aí, sim, a gente cai na rotina
a gente gera e se ilumina
e a gente se mexe

ah, cafeína,
força motriz.exe

terça-feira, 7 de outubro de 2014

ó, pedaço de mim

ó, pedaço de mim
o sol não veio com o dia
disse que viria

assim como veio um pedaço
de vida pelo correio
que eu nunca paguei em dia

deixei o plano da existência
tá vendo, pedaço de mim,
que sonhos não têm carência

bem, o que se quis
se fosse à vista 
eu inda era feliz

a gente se vê por aí
no nosso caso
é seguro dizer
terra a prazo

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

está à venda um apanhado de poemas que escrevi, postos em e-book. são cinquenta e seis poemas num ebook simples, de cinquenta e oito páginas. quem lê o que escrevo pode imaginar o que há neste e-book mas, para quem ainda não conhece, são poemas que variam entre sonetos, poesia minimalista e algum quê pós-moderno. influências de paulo leminski, poesia do nordeste brasileiro e brasileira em geral, cultura pop etc. o valor está em R$ 8,00.



domingo, 7 de setembro de 2014

acusado in terno


a testemunha 
crava suas unhas
nas palmas do medo.
o juiz aponta o dedo: 
- culpado!

todos olham de lado, 
o alívio é imediato.
ninguém sabe como
mas, o culpado, de fato,
era o mordomo.


(que nesse dia estava de folga)

sábado, 6 de setembro de 2014

trechos e desvios

...as flores que escorregam dos meus olhos dão para o parque industrial. o petróleo que doura os olhos sem flores me afoga numa noite sem estrelas, enquanto sorvo delicadamente cada gole de frio.

paro um caminhão e encontro uma dor antiga ao volante. pelo visto, o passageiro, agora, sou eu.

depois de algumas curvas e desvios salgados, peço-lhe que pare no bar mais próximo, para que eu afogue lentamente os meus sonhos mais recentes numa dose de uísque.

nega-me e arrasta-me para o inferno, 
onde tudo é feito de engarrafamento e buzinas.

Vou para onde estão os outros passageiros, alongando, como eu, as correntes da castidade... 

toco-me só e em silêncio: 
gemidos não são bem aceitos pelos meus medos.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

partindo de uma frase

partindo de uma frase
fui parar em outra esquina
onde quase tudo era quase
e onde quase nunca termina

virei a citação do momento
tendo aspas como morada
pousei onde não bate vento
e onde a língua da namorada
tem tradução e entendimento

aqui onde ainda é ontem
fui mais feliz que o normal
e peço que não me contem
o que há antes do ponto final.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

ao mar

aos olhos teus, quando marés, 
os meus se desfazem, areia;
quando chegam à maré cheia,
fazem água ao molhar os pés.
basta que me sigam, apenas,
as marés aos meus pés tristes;
talvez mãos ganhassem penas
e se erguessem asas em riste.
então, olhos e asas molhadas,
irei sem saber pra onde vôo;

descobrirei a penas acidentadas
o quanto custa saber quem sou.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

força do hábito

me desliguei da vida feito um ser ilógico
eu pus nos pés a terra num passe de mágica
e morri feito amante que se entrega ao hábito

em sonho vi nos anjos um anseio fálico
mas despertei a tempo de louvar em cântico
e a voz foi de repente parecendo explícita

errando pelo claustro vinham freiras bêbadas
de vinho e de alegria por voltar do hospício
onde encontraram deus em sua santa cólera

temi que me ouvissem e num horror estúpido
mantive a porta aberta pra enganar o gênese 
e entreguei o ventre aos meus apelos mímicos

foi tudo calculado com cara de máquina
trinquei dentes num gosto que supus ser pólvora
e à voz dos anjos virgens explodi em música

terça-feira, 2 de setembro de 2014

alcoolírico

ponha um litro
de absurdo
com dois dedos
de absinto
para então 
de quando
em quando
entrar em coma
alcoolírico

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

domingo, 31 de agosto de 2014

o poema andava tão à margem

o poema andava tão à margem
que caiu no rio
de janeiro
seguiu viagem
foi pra são paulo
e de lá
pro mundo inteiro

sábado, 30 de agosto de 2014

poema para os olhos

é coisa de doce que nada entre 
peixes e sereias 
é cor da areia em noite escura
e dura tanto 
quanto a infância

faca sem fio feita a lápis
moda que não passa
pigmento de felicidade

sem marcas, manchas
máculas

coisa que se lê
em livro de figuras

estampada
na fotografia

dos teus olhos

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

reintegração

o cigarro acaba, saio da quarentena quase esquecido da cor azul do céu. bem mais que eu, o céu está nublado e as pessoas ao redor, cheias de cinza. vago pela rua a passos firmes, na saga curta por um boteco, e acho graça, mas também deprime quando uma nuvem paira sobre mim. compro fiado um maço e fósforos. prometo que pago amanhã com a mesma tranquilidade com que jurei amor eterno à minha primeira namorada. ela era uma daquelas moças para quem se jura amor eterno e logo se esquece, mas finge que não esquece pra poder lembrar. saio do botequim com um cigarro a menos porque aconteceu de o apêndice do quartinho de cachaça ser fumante inveterado. merda, começou a chover. aproveito a saída, sento num canto do botequim. acendo um cigarro. lá se vai minha promessa de amor eterno.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

poema

o que canto se escreve, não se lê
só uma palavra largada em folhetos
não tem nem por onde, vai ter porquê?
seus versos dormem em ruínas, inquietos
despertam num vão, ninguém sabe aonde
correm nas rotinas morrem nos feriados
fugiram de casa têm os pés inchados
se rogo por eles nem deus me responde
o poema prostrado saiu da gaveta
um verso rasteiro o levou pra sarjeta
e achou a palavra sem lar nem língua
sem filhos nem pai, nem mãe também

e vejo agora a voz morrer à míngua
feito andarilho nos trilhos do trem.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

adniílo

fez de si mesmo uma mentira, expôs-se em retalhos de aço; no entanto, estava ele enclausurado entre grades e bolhas de sabão.

preso, sim, e sabia por quê.

acusado pelo assassínio de um coração.

culpado. 

carrasco da própria sorte, 
lançou-se egoisticamente à cruz.
não esperava piedades, embora parecesse:
seu choro aumentava pouco antes de ser enxugado pela própria garganta.

era uma pessoa má: entregue em vestais mas, ainda assim, má.

entre cuspes e gritos e dedos em riste,
em meio à vaias e caias e palavrões,
imerso em suas dores dos outros,

esperava apenas que 
o esquecimento passasse por ali.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

como as flores

o poema deixou-se cair entre garrafas 

vazias e memórias de cabelos loiros

os olhos vagos traziam palavras,

versos, rimas perfeitas

o poema deixou o choro misturar-se

a uma última dose de uísque


o poema trazia entre os dedos

um cigarro e folhas amassadas



o poema, como as flores,

adormeceu no estrume

e sonhou com aplausos
______________________________________
inspirado em poema da difamação do poema




quarta-feira, 20 de agosto de 2014

o vinho do silêncio

deixemos que o vinho
do silêncio
respire nossos ares

para saboreá-lo,
antes um estalo de lábios 
dedos na boca das taças

nelas, que o silêncio nos escorra
até um quarto
e que o ar se esvaia 
em últimos suspiros

no chão, roupas e garrafas mortas

então, vermelhos de vinho
que o silêncio seja um ser
em cio

do lado de fora da porta




terça-feira, 19 de agosto de 2014

eu preciso aprender a só ser



eu preciso aprender a só ser
a largar as mãos para o céu
e entregar a deus o meu copo
pra ver se ele põe mais cachaça

deixei na rua num bar não sei
algumas gestantes alcoolizadas
grávidas de promessas que fiz

eu preciso aprender a ensinar
o que houver de bom no mundo
pra esses filhos que vou ter

vou mentir pra essas crianças
que o ar que eu respiro não vicia

eu que não sou de mentir
olha, até na minha reputação
tem essas manchas de vinho

eu preciso aprender a esquecer
quanto custa um litro de vodca
esquecer o preço do cigarro

mas o preço
do passado
é tabelado

eu não esqueço

terça-feira, 29 de julho de 2014

morrer antes



os bons morrem antes
antes de quê, me pergunto
antes de mim, antes de nós
antes do mundo deixar
a gente ficar junto
só pra puxar assunto
alguma coisa me diz
há uma parede de vidro
que me impede tocar
os bons que morrem
antes de pensar em tocá-los

meus heróis não existem
meus deuses de papel
são crianças de colo

em que precipício me atiro
que encruzilhada jogar-me
o meu sangue tem seu charme
e em meu peito há sempre
um último suspiro

ontem eu tive certeza
de que não sou lá essas coisas
porque finalmente estava sóbrio
ao meu redor vinte cigarros mortos

escrevo pra deus
ou qualquer face que ele tenha

peço que me ensine a ser bom
pra que, como eles
eu possa morrer antes

até hoje
nunca fui bom o bastante
pra poder morrer antes

sábado, 5 de julho de 2014

abre-me a tua casa

abre-me a tua casa. lança-me teus braços em cordas de salvamento. que os espinhos do teu caule me sangrem, se for preciso, mas nunca como antes sangraram o menino que fui. deixa que te envolva em meus braços de homem, e que eu possa te dar a segurança de que preciso. o futuro se encarregará de nós como um barco, desde que o rememos. que eu sinta a tinta de teus cabelos entre meus dedos, campos de trigo às quatro da tarde. que o vermelho de meus lábios deixe manchas indeléveis sobre cada parte de teu corpo. que as sombras em tua memória te sejam sempre de vidro, e os filhos de nosso presente, diamantes. peço-te, ordeno-te, que fiques sempre ao meu lado. não temos mais que nos esconder. eu não tenho planos de fuga e já não és mais labirinto, mas mistério a ser desvendado. que nosso mar seja calmo, ainda que eu saiba das ondas que tens nas madrugadas nubladas. por fim, que estejamos sempre caminhando ao pôr-do-sol, com a primavera entre os dentes.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

olha este cilindro

olha este cilindro
     que branco e lindo
                 entre os dentes

sente esses cinco minutos
                 até parece um paraíso
mistura de paz e de luto

            agora o amor entre os dedos
pequeno abraço de brasa
               quase morte de brinquedo

olha este fantasma
              símbolo de abismo
e beijo de asma




logo o galo cantará mais uma manhã

logo o galo cantará mais uma manhã.

fico à espera que o amor termine em minha cama, emprestada aos amores alheios. um cigarro antes do amor, durante, depois. enublo meus pensamentos sobre conversas de travesseiro, de sussurros, de suspiros, de promessas fáceis.

os amantes agradecem timidamente. mais promessas.

acendo outro cigarro.

em minhas mãos os amores do mundo. os cigarros de amor e a fumaça de amor. 

a brasa baila aos gestos do maestro.

os amores do mundo, aos meus gestos.

o passado é uma cama que logo fica vazia, é o eco das promessas de todos os homens que um dia passaram por ela.

outros cavalos e flores que um dia passaram por mim.

sabujos e santas prenhes de afeto fecundam os lençóis que um dia bordei com as promessas que ouvi.

de súbito, saio a fim de quebrar o pescoço do galo.

amanhã, outros amantes virão merecer minha cama, 

mas essa manhã que vivi não nascerá nunca mais.

a voz do violão vai com o vento

a voz do violão vai com o vento
bater na tua porta, te perturbar a janela
como se nem fosse madrugada
como se nem fosse serenata
e a voz que não diz mesmo nada
só serve pra acabar na tua boca
            feito doce que derrete com saliva

sms ao pai

se não posso matá-lo
      que seja algo atípico
perplexo momento mágico
    parecendo um parricídio
feito um ósculo ácido
     meio em ritmo de choro
uma saudação às facas
        um amplexo de édipo

soneto apagado

foste embora montando no passado
feito o cheiro que retorna no abraço
para ir-se novamente como o braço
que parece nunca ter me abraçado

ainda assim, dessa vez não me foi dado
o sossego de cair em outros braços
ou a glória de juntar os meus pedaços
e amarrá-los feito pedras ao meu lado

tu foste embora, como em outras eras
levando em ti todas as primaveras
deixando as sombras de um inverno estranho

meu consolo foi apenas teu perfume
infinito de paixão e de ciúme
que enfim pude esquecer depois do banho

artigos populares