felizes aqueles que se deixaram levar pelo tempo e pelo esquecimento, cravando assim sua imortalidade em retratos pendurados nas paredes. felizes os que esqueceram as rotinas, os mistérios, as intrigas e as manchas de sangue que acontecem naquela casa. felizes os que pularam a janela, apesar do tapete com mensagens acolhedoras que descansa em frente à porta. felizes ainda os que nunca perceberam que as paredes na verdade são muros, que as janelas são, de fato, grades, e que a porta tem sete cadeados. felizes os que só vão à casa para brincar no jardim. felizes os que, no jardim, nunca viram os rostos dissimulados pela penumbra na janela. felizes os que não se deixaram envenenar pelo ar permissivo que paira na sala, na cozinha, nos quartos e no escritório. mais felizes os que nunca se depararam com o cão a rosnar, espumas nos lábios, fileiras de dentes, verdadeira cinificação do sinistro. mais felizes ainda aqueles que nunca ouviram os cochichos que saem das frestas, das fendas e que mais pareceriam aos incautos uma pequena parcela de brisa. felizes os que, tragados pela vida, ainda conseguem voltar a dormir após os pesadelos.
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